Histórial - Dos Pescadores do Tejo ao...

Dos Pescadores do Tejo (1954) ao Rancho Folclórico de Benfica do Ribatejo (1979)

A utilização do folclore como símbolo de nacionalidade em Portugal generalizou-se no Estado Novo com António de Oliveira Salazar a guiar-se pelo princípio do "sentimento profundo da realidade objectiva da Nação portuguesa". O centro da política cultural do regime salazarista, ficaria a cargo do Secretariado de Propaganda Nacional, uma instituição governamental criada em 1933 sob a direcção de António Ferro, cuja missão era a de "elevar o espírito da gente portuguesa no conhecimento do que é e realmente vale, como grupo étnico, como meio cultural, como força de produção, como capacidade civilizadora, como unidade independente no concerto das nações"

Embora a pesquisa no campo do folclore continue dispersa e pouco aprofundada, certo é que a decisão de configurar os Ranchos para o palco e para o espectáculo condicionou o traje, a dança e a música tradicional, até ao presente.
Instituições Nacionais como a Junta Central das Casas do Povo ou a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho chamaram a si a promoção dos ranchos folclóricos e a sua mobilidade geográfica. Esforço que foi complementado com a realização de festivais de folclore patrocinados pelas Juntas de Turismo.

O Rancho Folclórico dos Pescadores de Benfica do Ribatejo nasceu neste contexto político-cultural. Numa altura em que o Secretariado da Propaganda e as Instituições Nacionais trabalhavam a imagem nacional e o orgulho patrióticos, o folclore surgia nas comunidades locais como um elevar das tradições do povo, do orgulho nas raízes e nas práticas laborais das famílias do campo, neste caso concreto da Borda-d'água. 
De acordo com registos publicados e testemunhos orais, Celestino Pedro Louro da Silva Graça foi o fundador deste grupo de pescadores em terras de campinos e lavradores. Nascido a 9 de Janeiro de 1914, na aldeia do Graínho, concelho de Santarém, Celestino Graça*

*Com 17 anos e como desportista e praticante participou na fundação da Associação Académica de Santarém em 1931, a qual dirigiu durante vários anos. Concluído o curso na Escola de Regentes Agrícolas exerceu a sua actividade em Sintra e Caldas da Rainha e regressou a Santarém em 1937, para a Brigada da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas. Dedicou-se bastante à cultura do cânhamo de que foi o principal introdutor em Portugal, tendo publicado um opúsculo intitulado "Cultura do Cânhamo". Foi delegado-fundador do C.I.O.F.F. (Comité Internacional de Organizadores de Festivais de Folclore) e responsável pela realização do 1º Festival Internacional de Folclore de Santarém em 1958, integrado no programa da Feira do Ribatejo. 
Aficionado pela festa brava, foi decisivo na construção da Praça de Toiros de Santarém, que recebeu o seu nome tal como o Festival Internacional de Folclore, a partir de 1995, ano em que a iniciativa se separou da Feira do Ribatejo. O comendador Celestino Graça faleceu a 24 de Outubro de 1975.

foi um dos principais responsáveis pelo aparecimento e promoção de Ranchos Folclóricos no Ribatejo durante as décadas de 50 e 60 . Secretário Geral da Feira do Ribatejo desde a sua fundação em 1954, aquele que ficou conhecido como um dos mais conhecidos impulsionadores do folclore ribatejano cumpriu na íntegra com os desígnios de "elevar o espírito da gente" ribatejana enquanto se esforçava para consolidar a imagem da Região a nível nacional. Regente Agrícola de profissão foi, na condição de feitor da Quinta do Casalinho - localizada na margem do Tejo na aldeia de Benfica do Ribatejo - que contactou com os pescadores que viviam nas suas barracas à borda do Tejo nas Faias e nos Cucos, para formar um rancho folclórico de pescadores do Tejo.
Com as suas raízes na Praia da Vieira, concelho de Marinha Grande, os Avieiros, tal como eram conhecidos, tinham chegado ao Rio em busca da sobrevivência das suas famílias. Com a agressividade do mar e a ausência de outro modo de subsistência, os pescadores partiram para as águas calmas do Tejo e do Sado na esperança de encontrar na sua generosidade o pão que lhes faltava para alimentar os seus.
Foi em conjunto com esta comunidade de gente pobre mas trabalhadora e empreendedora que Celestino Graça criou o seu primeiro Grupo de Folclore. Conhecidas entre as comunidades vizinhas - quer dos próprios residentes de Benfica do Ribatejo, quer dos vizinhos da outra margem - como um grupo de famílias fechado e pouco receptivo, os pescadores foram deixando o feitor da quinta entrar na sua comunidade por razões de interesse em arranjar trabalho remunerado. Na altura, o regente integrava uma sociedade agrícola ribatejana que produzia cânhamo para produzir tecidos. No entanto, antes de seguir para a fábrica de fiação e tecidos de Torres Novas, o cânhamo tinha que ser demolhado no Tejo. Tal tarefa só era possível com a participação dos pescadores, únicos com os barcos e os conhecimentos necessários para o efeito. Com o passar do tempo e a rotina das tarefas, a proximidade acabou por resultar na formação de laços de amizade entre Celestino Graça e os pescadores. A comprovar a inserção e aceitação do regente agrícola no seio da sua comunidade está o facto de ter chegado a ser convidado para as suas festas e casamentos.
Entre 1955 e 1960 foram criados 12 Ranchos na Província do Ribatejo, na sua maioria devido à acção de Celestino Graça também enquanto Secretário-Geral da Feira do Ribatejo *2. 

*2 A Feira do Ribatejo nasceu em Santarém, em 1936, como exposição-feira, no Campo Sá da Bandeira, na sua essência como mostra dos produtos do distrito. Quatro anos depois teve lugar uma segunda Feira, a Exposição/Parada Agro-Agrícola, incluída no programa das Festas Provinciais do Ribatejo; em 1950 realizou-se a Feira Franca e finalmente em 1954 surgiu a 1ª Feira do Ribatejo. Dez anos depois aliou-se à Feira do Ribatejo, tendo sido criada a Feira Nacional da Agricultura, realidade que se mantém até hoje.

Enquanto estabelecia estes contactos e se familiarizava com as vivências e costumes dos pescadores, Celestino Graça descobriu as danças, os cantares e a genuinidade dos seus trajes e percebeu que tinha ali a possibilidade de criar um grupo capaz de elevar o Ribatejo e de valorizar o povo da Borda-d'água. Começou a efectuar recolhas junto de pescadores e pescadoras mais antigos e a gravar as cantigas que ouvia; depois mostrava a acordeonistas e amigos da música, como Bertino Coelho Martins, para que as ouvissem e acompanhassem com os instrumentos como o acordeão e o clarinete. Seguiram-se os ensaios com os pescadores na Adega da Quinta, e ainda antes da primeira edição da Feira do Ribatejo já o Grupo dançava. 
Inteiramente composto por pescadores e pescadoras do Tejo, o Rancho dos Pescadores era um retrato aproximado da comunidade e das suas vivências sobretudo nos Cucos, mas também nas Faias, ambos assentamentos piscatórios situados em Benfica do Ribatejo.
Inicialmente fixara-se a data de fundação no ano de 1955, mas sem serem conhecidos registos fotográficos ou outros da primeira exibição deste grupo perante o público. Pesquisas recentes vieram no entanto a deitar por terra a escolha desta data. Para além dos testemunhos do povo em Benfica do Ribatejo que dão conta da actuação dos Pescadores do Tejo na festa da inauguração do Estádio da Luz em Dezembro de 1954, (embora ainda sem qualquer comprovação escrita ou fotográfica deste dado) há a acrescentar uma obra editada pela Câmara Municipal de Santarém, da autoria do fotógrafo Diniz Ferreira, com texto de José Niza que se refere a um grupo Avieiro do Ribatejo a actuar na Primeira Edição da Feira do Ribatejo em 1954, e na qual foi possível a confirmação através de testemunho presencial de que se trata dos Pescadores de Benfica do Ribatejo. Arriscamos pois o registo da fundação deste Rancho Folclórico no início do ano 1954, ainda que não possamos alvitrar uma data para a estreia oficial.

(Foto de Diniz Ferreira Feira da Agricultura 1954)
Desde então, são conhecidas exibições dos Pescadores do Tejo nos grandes eventos da região e até na capital. Destaque para as participações na Feira do Ribatejo com as razões da sua inclusão já escalpelizadas, no Colete Encarnado em Vila Franca de Xira4 como representação da Região do Ribatejo e presenças em programas televisionados como o registo de 1963 da RTP dedicado aos Pescadores das Faias e dos Cucos.
Registe-se inclusive a presença dos Avieiros do Ribatejo, como retrato representativo do folclore do Ribatejo, numa colecção de cromos datada de 1963 intitulada "Maravilhas de Portugal", e editada pela Editorial ÍBIS.

4«Exibiu-se, seguidamente, o Rancho dos Pescadores do Tejo que foi muito apreciado em suas danças e cantares fazendo-se ouvir por fim a Orquestra Típica» in jornal "Correio do Ribatejo", n.º 3352 de 16 de Julho de 1955 referindo-se à noite de Santarém nas Festas do Colete Encarnado em Vila Franca de Xira.

As recolhas das cantigas e das danças feitas por Celestino Graça e pelos músicos que o acompanhavam, resultaram num repertório muito próprio repleto de vivacidade, alegria e dinâmica, conferidas pelas harmonias, melodias e vozes. Foram incluídas as danças em roda e par a substituir as marchas iniciais, depois dos mais membros antigos das famílias terem aceite que as suas filhas dançassem cada uma com o seu par, facto que obrigava a uma maior proximidade entre os dois [facto até aí inadmissível].

Desse reportório constavam 20 peças:
§ Á sombra da cana
§ Bailarico dos Pescadores
§ Bandeio
§ Bate o pé no chão
§ Borboletas
§ Ceifeiras
§ Cigana
§ Corre Corre
§ Cor tão bela
§ Fadinho das Lezírias
§ Fado da pouca pressa
§ Morena
§ Ó laré siu
§ Rendilheira
§ Rola o Pombo
§ Rolinhas
§ Sardinha Assada
§ Tu tens uma cor tão bela
§ Trai-la-ri-ló-lé
§ Valsa Danada 

Os trajes dos pescadores são tão modestos quanto a capacidade financeira de cada família. Gente pobre e com muitas necessidades, o traje de trabalho está adaptado à agressividade das águas e à dureza do tempo.
A mulher tem na cabeça um chapéu de felpo e lenço liso. Usa um avental e saia de riscado com risca larga. Os saiotes são de várias cores. Usa canos de lã brancos para a protecção das pernas. No pé calça tamancos de pau O Homem usa barrete preto e uma cinta preta de lã à cintura, que une a camisa e as ceroulas, ambas de quadrados. Os tamancos de pau cobrem-lhes os pés. [Os homens e as mulheres só passaram a usar tamancos quando uma lei do Estado Novo proibiu os cidadãos de andar descalços nas localidades].
Dadas as muitas dificuldades económicas das famílias, o traje para dias festivos e casamentos não apresentava grandes diferenças. Na pescadora, adornos em ouro davam mais beleza à mulher com o seu chapéu de felpo e lenço de caixiné, a blusa com corpete, o avental de sarja bordado e saia de lã da praia aos quadrados. Por baixo, o saiote e os colotes brancos, assim como os canos de lã. Nos pés, os mesmos tamancos de pau. Já o pescador mantinha a sua indumentária de todos os dias, exceptuando apenas a calça de cotim ou preta que substituía a ceroula. Nalguns casos usava as ceroulas por debaixo das calças.
Impregnes de muito voluntarismo e com génese na necessidade de abrilhantar algum grande evento da região, estes grupos folclóricos tinham um grau de formalização pouco consistente, sendo por isso instáveis. Esta característica conduziu ao desaparecimento de alguns grupos devido não só às dificuldades que entretanto foram surgindo como também ao desgaste dos seus impulsionadores. Aliadas a estas circunstâncias esteve o contexto nacional da Guerra do Ultramar que desde o início da década de sessenta e até ao 25 de Abril de 1974 chamou jovens rapazes para o cumprimento do serviço militar e defesa da pátria nas províncias ultramarinas.
A comunidade piscatória ressentiu-se dessa mobilização militar e acabou por cessar a actividade folclórica ainda durante a década de sessenta.
Com o 25 de Abril, o fim da Guerra e a proliferação do associativismo, um grupo de pescadores e gentes do campo, todos Benfiquenses, uniram esforços e reactivaram o Rancho dos Pescadores, adoptando então o nome de Rancho Folclórico de Benfica do Ribatejo.
Foi esta pesada e ilustre herança que o Grupo recebeu quando em 1979 voltou aos palcos e ao mundo do folclore.
Actualmente o Rancho apresenta um outro figurino. Aliadas aos pescadores, seu traje e repertório, estão agora também as danças e cantares das gentes da Lezíria e da Charneca, recolhidas junto de pessoas mais antigas ligadas ao trabalho e à vida no campo.

No seu repertório estão 42 danças, sendo componentes integrantes todas as danças, cantares e traje dos Avieiros de Celestino Graça para além dos sons e coreografias próprios das tradições campesinas.

Em 1979, a introdução de novos trajes e danças como complemento à herança Avieira surgiu como forma de integrar as tradições e costumes das comunidades rurais de Benfica do Ribatejo. Por isso, o folclore do Grupo reflecte hoje tanto a vida do trabalhador do campo como a do pescador do Tejo.
Os seus objectivos enquanto Associação Recreativa e Cultural desde 15 de Outubro de 1979, Membro Efectivo da Federação do Folclore Português e membro filiado no INATEL, como Centro de Cultura e Recreio sendo ainda Membro da Unesco - C.I.D – International Dance Council são os de preservar a cultura popular da freguesia de Benfica; representar e dignificar condignamente o folclore da Região do Ribatejo; ser fiel depositário das memórias orais e apresentar o trajar, os costumes, os usos, os cantos, as danças e as formas de socialização da década compreendida entre 1925 e 1935.
O Rancho Folclórico de Benfica do Ribatejo, tem representado a sua terra, região e país em inúmeros palcos internacionais ao longo destes últimos 30 anos da sua vida. Destaque para os Festivais Billingham 1982 (Inglaterra) Chateau Gombert 1983(França), Apiro 1986 (Itália),World Folkdance Festival palma Maiorca (Festivais Mundiais de Danzas Folkloricas de Palma de Maiorca) (1991, 1993, 2003 e 2005 Espanha); Sagra do Mandorlo in Fiore - Agrigento, Sicília (1996, Itália); 3rd International Culture and Art Festival of Bűyűkçekmece Istanbul (2002, Turquia); V International County-Wandering Festival (2006, Hungria)St Albans Festival (2006 - Inglaterra) Organizador do Festival Internacional de Folclore do Concelho de Almeirim – Designado Benfica do Ribatejo International Folkdance Festival in April 2008 (FIFCA 2008); Organizador da II Edição Festival Internacional de Folclore do Concelho de Almeirim – Designado Benfica do Ribatejo International Folkdance Festival in April 2010 (FIFCA 2010); Sagra do Mandorlo in Fiore - Agrigento, Sicília (2011, Itália).

Em 2008, o Rancho Folclórico de Benfica do Ribatejo lançou um projecto com vista à promoção e valorização do folclore do concelho de Almeirim e à renovação dos conceitos de folclore enquanto manifestação popular e cultural. Com o sólido apoio da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Sul e a Câmara Municipal de Almeirim, nasceu em Abril de 2008 a primeira edição do Festival Internacional de Folclore do Concelho de Almeirim- "Benfica do Ribatejo International Folkdance Festival".

Evento que decorreu ao longo de uma semana e que foi acompanhado por uma Exposição e uma série de pequenos apontamentos culturais ultrapassando em muito o contexto de folclore. Nessa edição inaugural, cujo sucesso ficou escrito nas páginas dos jornais e em actas de entidades públicas, participaram para além da maioria dos Ranchos Folclóricos do Concelho e Associação Culturais, Sociais, Desportivas e Recreativas , grupos internacionais vindos da Inglaterra, Angola, Grécia, Finlândia e Jordânia.


FIFCA 2010




Em 2010, regressou a segunda edição que marcou a consolidação do evento. Escócia, Bulgária, Lituânia, Grécia, Polónia, Ucrânia e Turquia deram o mote no que respeita à qualidade, rigor e brio e aliado à presença de 7 dos 9 grupos de folclore do concelho, o FIFCA 2010 cumpriu a sua missão, valorizar o Folclore e o seu conceito de cultura.


Mais de 100 voluntários, entidades públicas, empresas privadas, associações do concelho abraçaram a iniciativa que já não é só do Rancho de Benfica do Ribatejo mas de toda uma população.

                                                                                                  Historial 1954/1979